quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Caixa de Pandora




O titã Prometeu presenteou os homens com o fogo para que dominassem a natureza. Zeus, o chefão dos deuses do Olimpo, que havia proibido a entrega desse dom à humanidade, arquitetou sua vingança criando Pandora, a primeira mulher a habitar o planeta. Por ser sua primogênita, Pandora recebeu os melhores e mais perfeitos atributos dos deuses. Recebeu de um a graça, de outro a beleza, de outros a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Hermes, porém pôs no seu coração a traição e a mentira.

Prometeu foi condenado por Zeus a ficar 30.000 anos acorrentado no Monte Cáucaso, tendo seu fígado comido pelo abutre Éton todos os dias. Mas, antes disso e diante da possibilidade de outras vinganças de Zeus, Prometeu preveniu seu irmão, Epimeteu, que recusasse todo presente vindo do deus dos deuses. Entretanto, diante de toda a perfeição de Pandora, Epimeteu ignorou os conselhos do irmão e aceitou Pandora como esposa.

Epimeteu carregava consigo uma caixa recebida de presente pelos deuses que continha um arsenal de desgraças para o homem, como a discórdia, a guerra e todas as doenças do corpo e da mente mais um único dom: a esperança. Apesar de não revelar o conteúdo, Epimeteu pediu à esposa que não abrisse aquela caixa sob qualquer circunstância.

Entretanto, Pandora desobedeceu seu marido e abriu a caixa. Segundo Hesíodo, o poeta camponês, Pandora teria aberto a caixa levada pela curiosidade, de onde saem todas as desgraças e calamidades para os homens que viviam tranqüilos e felizes até então. Ao fechá-la, rapidamente, conseguiu prender em seu interior a esperança que por séculos ficaria encerrada como uma promessa de retorno aos felizes e ditosos tempos da infância da espécie humana sobre a Terra.




Conseguimos perceber com bastante clareza a relação entre a mulher e a beleza, a sensualidade, a dissimulação e a destruição. A Bíblia também traz essa vinculação ao atribuir à Eva a responsabilidade de disseminar o mal na Terra. Espanta perceber que a razão da minha concepção está na sensualidade e na destruição. E ainda temos esperança em destruir ou ao menos reduzir o machismo que nos impõe à submissão e nos resume à meros recipientes reprodutores! Quer dizer então que fui eu que mordi a maçã e condenei o pobre coitado do Adão, tão puro e obediente, à expulsão do Paraíso; eu que abri a temível caixa, traindo a confiança do meu grande amor e libertando o mal para todos os inocentes? Como retirar esse rótulo das mulheres se sua criação foi para um fim triste? Se fomos nós as culpadas pelas desgraças da humanidade?

Para não mergulhar (ainda mais) num discurso feminista, vamos fazer outra leitura sobre o mito de Pandora. Alguns percebem que a caixa representa o desconhecido e que a curiosidade humana em responder às obscuridades do desconhecido é que provoca o mal e a destruição. Acho que não consegui fazer essa leitura, afinal o conhecimento – ou a ciência – proporcionou inúmeros alívios às mazelas oriundas da caixa de pandora. Então vamos voltar ao meu discurso rebelde.

Por que não conceber o mito de Pandora como representativo de uma grande injustiça? Vamos por partes. Zeus, o poderoso chefão, concebe sua primogênita impregnado de raiva e vingança. Que pai é esse que agrega atributos de perfeição a sua filha pensando em seduzir um homem para vingá-lo? Animalesco! O pior é que a vingança já havia sido concretizada com a punição sadista dada a Prometeu.

Ok. Outra parte. A coitada da Pandora se casa com Epimeteu e tinham tudo para viver felizes para sempre, se não fosse a maldita caixa. Nem vou entrar no mérito “por que Epimeteu não contou o que havia dentro da caixa?” porque existem várias versões para o mito. Alguns dizem que foi Pandora quem trouxe a caixa e abriu na frente de Epimeteu; outros que ela trouxe e ele abriu... Enfim, a próxima parte é: por que Zeus não espalhou o mal na Terra já que ele era o todo poderoso? Independente da versão, a culpa foi da coitada da Pandora. Em qualquer uma das hipóteses ela não sabia o que havia na caixa e esta foi criada como uma armadilha! Ou seja, a caixa não foi feita para realmente guardar o mal, mas para ser aberta. O pior é que ou foi Pandora quem abriu, ou a caixa era dela ou as duas hipóteses. Quer dizer: Epimeteu "tá de boa" nisso tudo, já que: a) se a caixa era dele, ela desobedeceu suas ordens de não abrir (mulher enxerida!); b) se a caixa era dela e ele abriu, ela já trouxe consigo nessa intenção (mulher calculista, fria, falsa!); c) se a caixa era dela e ela mesma abriu... (tem que queimar no inferno!). Sempre a condenação recai à Pandora?

Ela foi usada! Ferramenta, objeto manipulado por um aristocrata perverso. Usada para satisfazer os ímpetos de um animal e punida por ser o lado mais fraco da corda. Rotulada pela sua desobediência ou impulsividade. Todos abstraíram as inúmeras qualidades (todas dadas por outros deuses) de Pandora para estereotiparem como a “causadora do mal”. Chega de palhaçada!

4 comentários:

  1. Grasi,

    É realmente interessante o seu ponto de vista sobre essas duas mulheres, mas a minha opinião é a seguinte: é que tanto Eva quanto Pandora foram persuadidas pela figura masculina para "beneficiar" a outra figura masculina.

    No caso de Eva, ela teve de um lado a serpente, o diabo, representada pela figura masculina quem a persuadiu e foi beneficiada(o), e do outro lado Adão foi prejudicado por ser expulso do paraíso e deixar de perfeito por ter comido do fruto. E já Pandora, beneficiou Zeus por dar continuidade a sua vingança e prejudicou Epimeteu que assim como Adão se deixou levar pela astúcia da mulher.

    Na verdade a mulher é usada como instrumento para atrair o homem, talvez porque as mulheres sejam mais poderosas, astutas e eficazes e os homens são mais previsíveis, portanto, ineficientes.

    Eu encaro nesses dois casos as mulheres não sendo vilãs ou antagonistas, mas sim, protagonistas, peça chave para dois grandes e importantes momentos históricos. De um lado elas foram sim usadas, mas de outro o que prevaleceu foi o seu poder de ludibriar, talvez por serem questionadas se eram capazes e por pura vaidade elas se permitiram serem persuadidas.

    Adorei a analogia e tudo o mais!!!

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  2. Naggai,

    Adoro quando você comenta, porque seus pensamentos coaduanam com os meus, mas são verbalizados de uma forma mais clara e direta!
    Veja como eles sempre nos usaram!!!
    Beijos

    PS: Vou arrumar um tempo para cumprir com minha promessa...

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  3. Ah mocinhas, eu louvo à Eva e Pandora, o que seria deste mundo sem os pecados e as desgraças?

    Grasy, para engrandecer ainda mais o seu texto, dá uma lida em Otelo, de Shakespeare. O homem possuído pela insegurança e envenenado pelos seus pares é capaz de cometer os maiores pecados e libertar as maiores desgraças.

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  4. Kim,

    Agradeço sua sugestão (dentre outras). Espero poder cumprir com algumas delas...
    bjs

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