domingo, 19 de setembro de 2010

Sobre o Normal e o Patológico



Vamos para mais um assunto “psi” do nosso dia-a-dia. Semana passada estava lendo uns textos que abordavam sobre a evolução do DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) e suas principais modificações. Algumas questões são bem interessantes como a grande influência de Freud para o DSM I ou a preocupação em romper com referenciais teóricos no DSM III. Entretanto, uma questão me chamou ainda mais atenção: o aumento exponencial do número de categorias – 180 categorias no DSM II, 295 no DSM III e 350 no DSM IV. O que isso quer dizer?

Quer dizer que os cientistas descobriram novas doenças? Que surgiram novas perturbações? Ou que se rotulou como patologia aquilo que antes era considerado normal?

Posso até ter a sensação de que a sociedade adoeceu um pouco, que as famílias enfraqueceram, que o amor se fragmentou, que o profundo se tornou raso e que o tempo é tão escasso que precisamos nos sobrepor no espaço para darmos conta do que nos é pedido. Mas será que isso alavancaria o número de doenças? Não temos como negar que algumas patologias surgiram, como por exemplo, a anorexia, bulimia, síndrome do pânico, etc. Mas até que ponto o Menino Maluquinho não é hiperativo? Dr. House não sofre da Síndrome do Mau-humor? Macunaíma não é um perverso? Dom Casmurro era depressivo? Será que realmente é preciso o metilfenidato ou a fluoxetina para equalizar o que está destoando? Será que não estamos encurtando o espaço do normal e, consequentemente, ampliando o do patológico? Acho que fica claro a influência da indústria farmacêutica nessa atual classificação.

Se formos atribuir culpas a isso, podemos também incluir a influência midiática no desenho do ideal inalcançável – inclusive de saúde – e também o adoecimento da sociedade, como disse antes. Mas não é essa a intenção. Acho que devemos recuperar mais a nossa “ânima”, aceitar nossas oscilações, viver nossas angústias, permitir que as lágrimas caiam, que as gargalhadas escapem... Quem sou eu para falar de emoções, mas sei que elas são assim: montanha russa, terremoto, adrenalina. Intensidade! Será que estamos deixando de ser mais intensos? Será que estamos nos desumanizando?
As coisas estão tão superficiais, tão efêmeras que o apego é algo quase que impossível de se estabelecer. Também percebi que as pessoas andam meio carentes (outro dia num barzinho uma garota, que ninguém conhecia, contou todos os problemas em menos de 20 minutos, falando do pai, irmão, terapias, etc.). Pode ser que essa carência é pela falta do apego e que o apego é pela falta da intensidade. Não tenho como estabelecer esse nexo causal. O que sinto é que temos que recuperar nosso contato, nosso calor, permitir que nossas vísceras se expressem. Temos que aceitar que nossos sentimentos têm amplitudes e freqüências e que sentimentos lineares e constantes é que deveriam ser patologizados. Faz parte de ser humano vivenciar a intensidade das emoções, perder o controle, deslizar, gritar, extrapolar. Acho que precisamos nos permitir sentir...

Que ninguém pense que esse meu discurso é contra a psiquiatria. Jamais mancharia essa área deslumbrante da medicina. Minhas palavras são apenas para trazer para nossa realidade os inúmeros discursos que estão ocorrendo sobre essa temática.