quarta-feira, 10 de julho de 2013


Ainda era jovem. Em plenos 23 anos acreditava que já poderia se orgulhar do título de Doutora que recebera do Bacharelado em Direito. A soberba escorria pelos lábios e pelo nariz que de tão empinado poderíamos ver o quão belo e delicado era o seu longilíneo pescoço branco. Tão branco que conseguíamos ver as veias esverdeadas ao lado esquerdo. O lado direito andava sempre coberto com seus cabelos aloirados e escorridos. Sempre impecáveis no brilho, já que estava em dia com o Moroccanoil que eventualmente trazia do exterior. A beleza era notável. Não se pode negar que o corpo magro merecia um pouco mais de carne, mas ainda assim fez questão de pagar por uma lipoaspiração para retirar os 800g de gordura localizada que a tirava o sono. Por tudo isso, recebia inúmeros elogios diariamente e o que o mais gostava de ouvir certamente era: “Puxou ao pai.”

Sempre muito estudiosa, aos 18 comprei seu primeiro carro por ter ingressado na faculdade. Nunca houve qualquer observação em relação ao seu desempenho acadêmico. Também nunca deixei nada faltar a ela. Estudou na melhor escola da cidade, morou fora do país aos 13 anos e quando voltou trouxe uma mala de presentes para ela e outra para família. Sinto orgulho da minha filha. Ela sabe as músicas do momento – recentemente me apresentou o hit da Anita – está sempre antenada nos avanços tecnológicos (é ela quem escolhe os aparelhos celulares da casa e diz quando devemos trocá-los). Alguns poderiam dizer que ela é consumista, mas não é. Desde os 5 anos ela é independente nas escolhas das roupas dela, ela sabe o que quer. Sempre foi uma garota decidida.

Pois bem, agora que já a apresentei, quero dizer o que me motiva desabafar com vocês. Recentemente abri uma conta no tal Facebook e me deparei com a “página lotada” da minha filha. O que seria essa página lotada? Percebi que isso significava que ela tinha tantos amigos que atingiu a capacidade máxima suportada pela tal rede social. Então, nem eu podia ser amigo dela? Entendi que era necessário que ela abrisse uma nova página. Me causou surpresa saber que ela era tão popular! Como pode? O que ela tinha de tão maravilhoso que fazia daquela jovem garota tão admirada e cheia de seguidores? Fiz um rápido tour em sua página para tentar encontrar algo que me surpreendesse. Encontrei fotos dos seus pés, das mãos, do nosso cachorro, das inúmeras viagens que fez ao exterior (quase todas sem paisagens), de drinks, de sorrisos e mais sorrisos, dos olhos no retrovisor do carro... Diante deste cenário, não pude evitar em por minha velha cachola para trabalhar: o que a faz tão popular? Pior: o que a faz ser mais popular do que eu?

Sou médico há mais de 30 anos. Muitos pacientes já passaram pela minha mesa de cirurgia. Alguns ainda estão comigo. Apesar de serem pessoas interessantes, nunca passou pela minha cabeça que eu poderia compartilhar a minha vida particular – quiçá íntima – com eles. Na realidade, agora que sei que o tal Facebook me permite isso, percebi que não tenho a menor vontade de fazer. Não me sinto nadinha a vontade de adicionar também o meu vizinho chato do 506 que enche a piscina do condomínio nos fins de semana. Por que iria mostrar para ele que passei minhas férias numa viagem romântica com minha esposa? Não faz o menor sentido. Por que iria querer que meus pacientes me vissem de colar havaiano, sunga e cheio de birita? Isso não compromete minha competência, mas as aparências devem ser preservadas.

E era sobre as aparências que eu queria falar. Confesso que sei pouco da minha filha a não ser as aparências. Talvez, eu não saiba nada. Talvez ela só seja isso: aparência. E o pior: só queira isso. Mas ainda pior que isso pode ser a minha constatação. Se minha querida filha só quer aparências e ela tem inúmeros seguidores... Todos só querem aparência?

Chegamos na era da “Mulher de César”. Mais importante do que ser é parecer que é! Talvez pior: mais importante do que ser é ter! (Mas esse já é tema para outra discussão). Todo mundo parece ser feliz, rico, de bem com a vida, pleno. Todo mundo também parece que é inteligente, postando suas opiniões construídas (construída é eufemismo, a palavra certa é empurrada) pela mídia, copiando idéias alheias sem qualquer processo autoral ou reflexivo naquilo que é lançado. Mas como inteligente? Inteligência é algo nada relacionado com a aparência (alguns poderiam dizer que é inversamente proporcional). Foi então que percebi o quanto acreditei na inteligência superficial da minha querida, muito querida filha. E ela não tem culpa de nada...

Com muita tristeza, reconheço que criei mais um avatar perfeito para a engrenagem do sistema. Eu que sempre quis diferente... Eu, que não enxerguei em mim aquilo que não tolerava no outro. Me permitir ser ludibriado pela minha própria filha. Cedi aos encantos da sua aparência e esqueci de construir o seu “eu”. Eu fui e continuo sendo a referencia de alienação que minha filha, produto do meio familiar, se inspira.   

Recomeçando...

Após um longo período sem postagens, sinto-me completamente enrijecida no exercício da  escrita.  Aliás,  cabe  narrar  que  a  frase  anterior  foi  desfeita  umas  15  vezes  antes  de tomar este corpo. Escrever é como malhar o cérebro... E estou retomando meu treino. Cabe uma justificativa para mim? É para eu justificar para mim mesma. Pois  bem,  um  ano  de  grandes  mudanças,  gigantescas  mudanças  que  serviriam  de belíssimas inspirações para crônicas, poemas e até mesmo expor minhas opiniões (como agora faço) que guardo na lembrança por um deslize egoísta. Espero  que  essa  fase  tenha  passado  que  a  difícil  tarefa  de  recomeçar  seja  cumprida efetivamente.  Lembrei-me  de  uma  frase  do  Mário  Quintana:  “Nada  jamais  continua. Tudo vai recomeçar!”