Ainda era jovem. Em
plenos 23 anos acreditava que já poderia se orgulhar do título de Doutora que
recebera do Bacharelado em
Direito. A soberba escorria pelos lábios e pelo nariz que de
tão empinado poderíamos ver o quão belo e delicado era o seu longilíneo pescoço
branco. Tão branco que conseguíamos ver as veias esverdeadas ao lado esquerdo.
O lado direito andava sempre coberto com seus cabelos aloirados e escorridos.
Sempre impecáveis no brilho, já que estava em dia com o Moroccanoil que
eventualmente trazia do exterior. A beleza era notável. Não se pode negar que o
corpo magro merecia um pouco mais de carne, mas ainda assim fez questão de pagar
por uma lipoaspiração para retirar os 800g de gordura localizada que a tirava o
sono. Por tudo isso, recebia inúmeros elogios diariamente e o que o mais
gostava de ouvir certamente era: “Puxou ao pai.”
Sempre muito estudiosa,
aos 18 comprei seu primeiro carro por ter ingressado na faculdade. Nunca houve
qualquer observação em relação ao seu desempenho acadêmico. Também nunca deixei
nada faltar a ela. Estudou na melhor escola da cidade, morou fora do país aos
13 anos e quando voltou trouxe uma mala de presentes para ela e outra para
família. Sinto orgulho da minha filha. Ela sabe as músicas do momento –
recentemente me apresentou o hit da Anita – está sempre antenada nos avanços
tecnológicos (é ela quem escolhe os aparelhos celulares da casa e diz quando
devemos trocá-los). Alguns poderiam dizer que ela é consumista, mas não é.
Desde os 5 anos ela é independente nas escolhas das roupas dela, ela sabe o que
quer. Sempre foi uma garota decidida.
Pois bem, agora que já a
apresentei, quero dizer o que me motiva desabafar com vocês. Recentemente abri
uma conta no tal Facebook e me deparei com a
“página lotada” da minha filha. O que seria essa página lotada? Percebi que
isso significava que ela tinha tantos amigos que atingiu a capacidade máxima
suportada pela tal rede social. Então, nem eu podia ser amigo dela? Entendi que
era necessário que ela abrisse uma nova página. Me causou surpresa saber que
ela era tão popular! Como pode? O que ela tinha de tão maravilhoso que fazia
daquela jovem garota tão admirada e cheia de seguidores? Fiz um rápido tour em sua página para tentar encontrar algo que me
surpreendesse. Encontrei fotos dos seus pés, das mãos, do nosso cachorro, das
inúmeras viagens que fez ao exterior (quase todas sem paisagens), de drinks, de
sorrisos e mais sorrisos, dos olhos no retrovisor do carro... Diante deste
cenário, não pude evitar em por minha velha cachola para trabalhar: o que a faz
tão popular? Pior: o que a faz ser mais popular do que eu?
Sou médico há mais de 30
anos. Muitos pacientes já passaram pela minha mesa de cirurgia. Alguns ainda
estão comigo. Apesar de serem pessoas interessantes, nunca passou pela minha
cabeça que eu poderia compartilhar a minha vida particular – quiçá íntima – com
eles. Na realidade, agora que sei que o tal Facebook me
permite isso, percebi que não tenho a menor vontade de fazer. Não me sinto
nadinha a vontade de adicionar também o meu vizinho chato do 506 que enche a
piscina do condomínio nos fins de semana. Por que iria mostrar para ele que
passei minhas férias numa viagem romântica com minha esposa? Não faz o menor
sentido. Por que iria querer que meus pacientes me vissem de colar havaiano,
sunga e cheio de birita? Isso não compromete minha competência, mas as
aparências devem ser preservadas.
E era sobre as aparências
que eu queria falar. Confesso que sei pouco da minha filha a não ser as
aparências. Talvez, eu não saiba nada. Talvez ela só seja isso: aparência. E o
pior: só queira isso. Mas ainda pior que isso pode ser a minha constatação. Se
minha querida filha só quer aparências e ela tem inúmeros seguidores... Todos
só querem aparência?
Chegamos na era da
“Mulher de César”. Mais importante do que ser é parecer que é! Talvez pior:
mais importante do que ser é ter! (Mas esse já é tema para outra discussão). Todo
mundo parece ser feliz, rico, de bem com a vida, pleno. Todo mundo também
parece que é inteligente, postando suas opiniões construídas (construída é
eufemismo, a palavra certa é empurrada) pela mídia, copiando idéias alheias sem
qualquer processo autoral ou reflexivo naquilo que é lançado. Mas como
inteligente? Inteligência é algo nada relacionado com a aparência (alguns
poderiam dizer que é inversamente proporcional). Foi então que percebi o quanto
acreditei na inteligência superficial da minha querida, muito querida filha. E
ela não tem culpa de nada...
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